terça-feira, 16 de outubro de 2012

Da representação na Lei dos Juizados Especiais Criminais





DA REPRESENTAÇÃO NA LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS

Sumário: 1. Breve Intróito – 2. Conceito – 3. Endereçamento da representação – 4. Da legitimidade para o oferecimento da representação – 5. Os reflexos da Lei n. 9.099/95 na representação – 5.1 Da retratabilidade da representação mesmo após o oferecimento da denúncia – 6. Conclusão – 7. Referências bibliográficas.


1 – BREVE INTRÓITO –

A jurisdição penal, como o poder-dever do Estado de solucionar o conflito de interesse entre o seu poder de punir e o direito de liberdade do indivíduo, conforme conceitua o festejado mestre italiano, Giovanni Leone (in Trattato di Diritto Processuale Penale, Editora Dott. Eugenio Jovene, Nápoli, Itália, 1961, Vol. I, págs. 275 e segs. – `poder de resolver com decisão motivada o conflito entre o direito punitivo do Estado e o direito de liberdade do imputado de conformidade com a norma penal´.), e hodiernamente, como também o poder-dever de dirimir os conflitos de interesse entre as partes, nos moldes da jurisdição civil, erigindo com a finalidade máxima de restabelecer a paz social, através da imposição de penalidade ao infrator da norma penal, em princípio com um caráter meramente retributivo e posteriormente com o intuito de ressocializar aquele que a infringe.



Mais do que isso, a manutenção da ordem e equilíbrio social é a finalidade da jurisdição.

Seu exercício passa pela ação penal, caminho hábil ao Estado, através do qual instaura a segunda fase da persecução, visando alcançar a verdade real e material, por intermédio de três modalidades de ação: a penal pública incondicionada, condicionada e privada.

Para aqueles delitos cujo bem juridicamente tutelado é de interesse direto do Estado, este se incumbe de manter sua proteção integralmente, sendo instituída a ação penal pública incondicionada, ou também conhecida como pura, que segundo lições do mestre René Ariel Dotti ( in Curso de Direito Penal, Parte Geral, Editora Forense, 1a. edição, 2001, págs.647), “é aquela que não depende de requisição ou representação do ofendido para ser proposta, decorrente portanto do poder-dever que o Estado detém para punir os transgressores da norma penal, onde a persecução se inicia automaticamente com a notícia crime, não dependendo de representação ou requerimento, bastando à autoridade policial o conhecimento do delito para dar início a persecução penal. Assim ocorre, v.g., em delitos contra a vida (art. 121 do Código Penal Brasileiro) , contra o patrimônio (art. 155 do Código Penal Brasileiro), etc, onde compete ao Ministério Público a titularidade da ação penal, sendo eleo dominus litis.

Ao tratar de bens tutelados cuja agressão atinja ao Estado secundariamente, pois em primeiro lugar ofende o indivíduo, havendo uma sobreposição do interesse deste ao do Estado, depende o início da persecução penal e posteriormente da ação penal, de, segundo Mirabete ( in Manual de Direito Penal, Parte Geral, 19a. edição, Editora Atlas, págs. 372) uma “espécie de pedido-autorização em que a vítima, seu representante legal ou curador nomeado para a função expressam o desejo de que a ação seja instaurada”.

Tal posicionamento é decorrente do fato de que por vezes a exposição causada com a ação penal (strepitus judicii escândalo do processo) é mais gravosa para a vítima do que a inércia, como ocorre nos delitos contra a liberdade sexual, ficando a critério daquela a representação para dar ao Ministério Público a condição de procedibilidade necessária para o início da ação penal, e para autoridade policial a viabilidade para o início da persecução.

Por fim a ação penal privada tem por fito fazer a proteção dos bens personalíssimos do indivíduo (honra, moral, etc.), que somente a ele interessam, sendo portanto a legitimação ativa para sua interposição pertencente ao ofendido, excetuada a ação penal privada subsidiária, onde a omissão do Ministério Público autoriza o ofendido a propositura da ação penal, embora se tratando de delitos de ação penal pública condicionada e incondicionada, nos moldes do artigo 29 do Código de Processo Penal.
Em tais delitos o bem juridicamente tutelado interessa em primeiro lugar ao ofendido, que poderá ou não intentar a ação penal para buscar a imposição de uma pena ao infrator da norma penal. A ele cabe a total disponibilidade da ação penal.
A nós no momento interessa a apreciação dos delitos cuja ação penal é pública de natureza condicionada, os quais tem como condição sine qua non para o início da persecução, a representação e suas conseqüências no âmbito dos Juizados Especiais Criminais.

2 – CONCEITO –

Segundo Júlio Fabrini Mirabete (obra citada, pág. 372), a representação é um pedido-autorização, e citando Alberto Silva Franco, Luiz Carlos Betanho e Sebastião Oscar Feltrin (in Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial, São Paulo, editora Revista dos Tribunais, 1979, Volume 1, pág. 48), diz ser “a manifestação de vontade do ofendido ou de seu representante legal no sentido de autorizar o Ministério Público a desencadear a persecução penal”.

Aníbal Bruno (in Direito Penal, Rio de Janeiro, Forense, 1967, p. 239), conceitua a representação como sendo “não só a anuência do ofendido a que se proceda à perseguição do fato punível, é o ato expresso de vontade com que ele (sic) provoca essa perseguição”.

Leciona também René Ariel Dotti (obra citada, pág. 648), que “a representação é o ato processual pelo qual o ofendido ou quem tenha qualidade para representá-lo requer a instauração da ação penal nos crimes de ação pública condicionada ou impura”.

José Frederico Marques (in Curso de Direito Penal, volume III, editora Saraiva, 1956, pág. 352), diz ser a representação “uma delatio criminis postulatória: quem a formula, não só dá notícia de um crime, como pede também que se instaure a persecução penal”.

Portanto, é a representação uma condição de procedibilidade não somente para ação penal, como também para o início da persecução (inquérito policial ou termo circunstanciado de ocorrência). Não poderá a autoridade policial iniciar a investigação sem a autorização, sem a manifestação expressa do ofendido no sentido de iniciar a perseguição, a busca da punição de seu ofensor.

É ato despido de formalismos legais, bastando a mera comunicação do fato à autoridade policial para demonstrar clara e inequivocamente o interesse em dar início à persecução penal.

3 – ENDEREÇAMENTO DA REPRESENTAÇÃO –

A representação poderá ser endereçada à autoridade policial, ao Ministério Público ou ao juiz, por escrito ou oralmente, pelo ofendido ou seu representante legal, ou mesmo através de procurador com poderes especiais, e ainda feita por termo, devendo em todos os casos descrever a conduta supostamente criminosa, de forma que possa auxiliar na apuração do fato e identificação de sua autoria.

Se apresentada perante a autoridade policial, esta de imediato procederá a instauração do inquérito policial ou lavratura do termo circunstanciado de ocorrência, tomando as providências necessárias em cada caso.

Oferecida perante o magistrado, este a encaminhará à autoridade policial para que tome as devidas providências, conforme mencionado anteriormente. No mesmo sentido, quando formulada perante o representante do Ministério Público, este também a enviará a autoridade policial para as devidas providências, e excepcionalmente, diante da existência de elementos de prova suficientes, poderá oferecer a denúncia se for o caso, ou mesmo requerer a designação de audiência preliminar nos casos inerentes aos Juizados Especiais Criminais.

4 – DA LEGITIMIDADE PARA O OFERECIMENTO DA REPRESENTAÇÃO –

Segundo a própria legislação, a titularidade para o oferecimento da representação é do ofendido ou seu representante legal.

Há portanto uma dupla titularidade para o oferecimento da representação, não restando dúvida quanto à legitimação do representante legal do ofendido quando este for menor de dezesseis anos.

A dúvida existe quando o ofendido é relativamente incapaz, ou seja, tem mais de 16 (dezesseis) e menos de 18 (dezoito) anos, quando a legitimidade é concorrente. Temos que considerar aqui, que a alteração da maioridade civil introduzida pela Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (artigo 4o.), trouxe reflexos diretos no Processo Penal, mais precisamente no artigo 34 da Lei Processual Penal Pátria, que obrigatoriamente teve derrogada as idades no que diz respeito à capacidade civil para a representação.

Seria o prazo único para ambos, ou haveriam dois prazos distintos, autônomos, um para cada um (ofendido e representante legal)?

Segundo lições de Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli (in Direito Penal Brasileiro, Parte Geral, 2a. edição, editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 1999, pág. 776):

A jurisprudência dividiu-se em duas orientações. Como o código de processo penal refere-se ao exercício do direito pelo ofendido ou por seu representante legal (art. 34) e faz depender o direito de queixa ou representação ao prévio conhecimento da autoria (art. 38), o prazo deve fluir individualmente, ou, por outras palavras, o prazo decadencial flui isoladamente para cada um, a contar das datas em que tiveram conhecimento do fato. Foi o que fixou a Súmula 594 do STF, coerentemente com a doutrina majoritária: ‘Os direitos de queixa e representação podem ser exercidos, independentemente, pelo ofendido ou por seu representante legal’, e isso leva à conclusão, parece-nos, de que os prazos são contados separadamente para cada um deles, a contar da ciência da autoria do fato típico”.

Conclui-se, portanto, que os prazos são independentes, para o representante legal e para o ofendido, sempre contados a partir do momento em que se tem conhecimento de quem é o autor da infração penal, o que resulta no seguinte efeito prático quanto ao início do cômputo do prazo decadencial: sendo o ofendido maior de dezesseis e menor de dezoito anos, se toma conhecimento da autoria da infração penal, terá a partir de então seis meses para o oferecimento da representação em desfavor do autor do fato. Não exercida neste prazo, haverá a ocorrência da decadência e conseqüente extinção da punibilidade, porém, isso somente ocorrerá se também seu representante legal tomar conhecimento da autoria simultaneamente. Se o representante legal desconhece a autoria do delito, o prazo somente terá início a partir do momento em que for esta conhecida. Tal posicionamento é rechaçado por Damásio Evangelista de Jesus, em sua obra Direito Penal, volume I, editora Saraiva, 17a. edição, 1993, página 617, que entende ser o prazo uno, tanto para o ofendido, quanto para seu representante legal, pois segundo a interpretação dada pelo Supremo Tribunal Federal passam a vigorar dois prazos decadenciais, o que não pode ser aceito.

Há ainda a situação prevista no artigo 33 do Código de Processo Penal, o qual, descreve que quando o “ofendido for menor de 18 (dezoito) anos, ou mentalmente enfermo, ou retardado mental, e não tiver representante legal, ou colidirem os interesses deste com os daquele, o direito de queixa poderá ser exercido por curador especial, nomeado, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, pelo juiz competente para o processo penal. Na prática nos deparamos com tais situações principalmente nos casos de violência doméstica, quando um dos pais excede na correção do filho, causando-lhe lesões corporais leves, não havendo muitas vezes interesse pelo genitor não agressor no prosseguimento da persecução penal, fazendo-se necessária a nomeação de curador especial para atuar na defesa dos interesses do menor ou mentalmente enfermo, contando-se o prazo decadencial a partir da nomeação deste para oficiar nos autos, quando então tomará conhecimento de quem é o autor da infração penal.

5 – OS REFLEXOS DA LEI N. 9.099/95 NA REPRESENTAÇÃO –

Inúmeras dúvidas surgiram com o advento da Lei n. 9.099/95, principalmente no que se refere ao momento adequado para o oferecimento da representação, em função dos efeitos decorrentes da indicação desse momento para o cômputo do prazo decadencial.

Segundo o artigo 75 da Lei n. 9.099/95, não havendo composição dos danos civis na audiência preliminar, será dada a palavra ao ofendido para o oferecimento da representação, não importando o não oferecimento desta na audiência em decadência ou mesmo renúncia tácita a esse direito, que poderá ser exercido dentro do prazo do artigo 103 do Código Penal Brasileiro, ou seja, dentro do prazo de seis meses contados do dia em que se soube quem é o autor do crime.

A dúvida persiste entre alguns operadores do direito, quanto ao dies a quo do prazo decadencial, tendo por base o fato de que segundo o artigo 75 da Lei n. 9.099/95, a representação seria oferecida na audiência preliminar, o que seria uma disposição legal expressa em contrário ao que está dito no artigo 103 do Código Penal Brasileiro, e de conseqüência o prazo somente teria seu início na audiência preliminar.

Porém, não vejo esta como a melhor e mais adequada interpretação.

A representação como um ato informal, já é exercida perante a autoridade policial pelo ofendido, pois sem aquela, esta nada poderá fazer, haja vista depender do ato de vontade expresso para dar início à persecução penal, seja através da instauração do Inquérito Policial ou do Termo Circunstanciado de Ocorrência.

Manifestada a vontade do ofendido perante a autoridade policial, subentende-se oferecida a representação, por não carecer esta de formalismo legal, bastando a intenção clara no sentido de ver apurada a infração penal que lhe vitimou.

Pois bem, se apresentada a representação perante a autoridade policial, a regra do artigo 75 da Lei n. 9.099/95 ensejaria, segundo o entendimento abraçado em nosso estudo, a ratificação na audiência preliminar da representação oferecida, para conferir ao Ministério Público a condição de procedibilidade para a apresentação de proposta de transação penal ou mesmo oferecimento de denúncia.

Não é portanto a audiência preliminar o dies a quo para o início do cômputo do prazo decadencial, prevalece a regra do artigo 103 do Código Penal Brasileiro, inalterada pela Lei n. 9.099/95, que somente conferiu ao ofendido um momento adequado para ratificar ou não a representação oferecida perante a autoridade policial, como um plus a oportunizar a conciliação em razão de ser esta a coluna vertebral dos Juizados, possibilitando naquele momento tanto a ratificação como a retratação da representação, ou mesmo o acordo entre autor do fato e o ofendido.

Não houve manifestação expressa no texto legal com o sentido de alterar as regras do prazo decadencial. A forma de cômputo deste prazo permanece nos mesmos moldes anteriormente estabelecidos.

O artigo 103 do Código Penal Brasileiro diz textualmente que “salvo manifestação expressa em contrário” o prazo decadencial será de seis meses contados da data em que se veio a saber quem é o autor do crime. Temos que considerar que a regra somente será modificada com expressa inclusão de condição destinada a tal fim, como ocorria no caso do crime de adultério (artigo 240 do Código Penal Brasileiro), que em seu § 2o faz havia a menção expressa da alteração do prazo decadencial, que era de um mês contado a partir do conhecimento do fato. Outro exemplo de manifestação expressa em contrário, é o contido no artigo 41, § 1o., da Lei n. 5.250, de 09 de dezembro de 1967, que estabelece o prazo decadencial de três meses contados a partir da data da transmissão ou publicação do fato gerador do crime de imprensa.

Em tais circunstâncias especiais e claramente excepcionais, houve alteração imposta pela Lei nas regras do prazo decadencial. Não podemos dizer o mesmo quanto ao que se interpreta através do artigo 75 da Lei n. 9.099/95, que não cria qualquer manifestação contrária às regras já estabelecidas para a decadência.

Na esteira desse entendimento, encontramos no Primeiro Encontro de Magistrados de Juizados Especiais Criminais do Rio Grande do Sul, o Enunciado número 8, que assim dispõe: “É considerada válida a representação ofertada perante a autoridade policial, desde que ratificada em juízo” (http://www.tj.rs.gov.br). No mesmo sentido, vêm se posicionando as Turmas Julgadoras do Paraná, que firmaram o Enunciado número 25, com o seguinte teor: “O início do prazo para o exercício da representação começa a contar do dia do conhecimento da autoria do fato, observado o disposto no Código de Processo Penal ou na legislação específica. Qualquer manifestação da vítima que denote intenção de representação vale como tal para os fins do art. 88 da Lei 9.099/95”(http://www.tj.pr.gov.br/juizado/pg_Enunciados.htm).
Notamos pelos Enunciados transcritos, que o prazo decadencial flui a partir da data que se tomou conhecimento da autoria do delito, prevalecendo o entendimento de que a manifestação do ofendido ou de seu representante legal perante a autoridade policial, constitui sim representação, que poderá ser ou não ratificada em juízo.
Como efeito prático da interpretação citada, notamos que permanece resguardado para a vítima o direito de representação, e esta poderá dispor de seu direito em audiência preliminar, aguardar o transcurso do prazo decadencial enquanto reflete acerca da necessidade ou não da futura ação penal/transação penal, ou mesmo ratificar seu interesse no prosseguimento do feito. No primeiro caso, nos deparamos com a possibilidade do ofendido se retratar da representação (artigo 102 do Código Penal Brasileiro), resultando na extinção da punibilidade do autor do fato por força do art. 107, inciso VI, do Código Penal Brasileiro; no segundo caso, desde que da data que em o ofendido tomou conhecimento de quem era o autor da infração penal, até a audiência preliminar, não tenham transcorrido mais de seis meses, poderá ele aguardar o decurso deste prazo para a ratificação da representação, quando por vezes prefere refletir e esperar os novos acontecimentos, para sopesar a necessidade do prosseguimento do feito; no terceiro momento, havendo o ofendido ratificado a representação perante o magistrado, em audiência preliminar, estará legitimando o Ministério Público a apresentar proposta de transação penal ao autor do fato, desde que não esteja inserto nas exceções do art. 76, § 2o. da Lei n. 9.099/95, e no caso de não aceitação da proposta ou existência de algum impedimento para formulação desta, será oferecida a denúncia.

5.1 – DA RETRATABILIDADE DA REPRESENTAÇÃO MESMO APÓS O OFERECIMENTO DA DENÚNCIA
A regra imposta pelo artigo 102 do Código Penal Brasileiro e artigo 25 do Código de Processo Penal é de que após oferecida a denúncia a representação será irretratável.
Ocorre que, com o advento da Lei n. 9.099/95, a regra foi mitigada, sofrendo alteração crucial, pois segundo dispõe o artigo 79 da mencionada Lei, “no dia e hora designados para a audiência de instrução e julgamento, se na fase preliminar não tiver havido possibilidade de tentativa de conciliação e de oferecimento de proposta pelo Ministério Público, proceder-se-á nos termos dos artigos 72, 73, 74 e 75 desta Lei”. Portanto, se não foi possível na audiência preliminar a tentativa de conciliação entre autor do fato e ofendido, ainda que já oferecida a denúncia e designada a audiência de instrução e julgamento, nesta, deverá ser restabelecida a possibilidade de conciliação, fazendo prevalecer o caráter consensual da Lei, onde poderá ocorrer a composição dos danos civis, que tem como conseqüência, por força do artigo 74, parágrafo único da mesma Lei, o condão de, com a homologação do acordo, acarretar a renúncia à representação anteriormente oferecida. Poderá ainda o ofendido, mesmo sem a reparação dos danos civis, entendendo não haver mais motivos para o início da ação penal, retratar a representação oferecida a título de acordo com o denunciado, o que após homologado acarretará os mesmos efeitos.
Passou a representação, da imutabilidade após o oferecimento da denúncia, a total e completa mutabilidade, tornando-se retratável a critério do ofendido, desde que não tenha sido possibilitada a tentativa de conciliação em audiência preliminar, por exemplo, pela ausência do autor do fato.
Também é aceitável a realização de proposta de transação penal na audiência de instrução e julgamento, por parte do Representante do Ministério Público, quando não possibilitada a sua formulação em audiência preliminar. O que não se pode aceitar, é a renovação de proposta já feita anteriormente e recusada pelo autor do fato.
Aquilatando os princípios norteadores dos Juizados Especiais Criminais, principalmente o conciliador/consensual dito no artigo 2o. da Lei n. 9.099/95, e buscando guarida na destinação final da jurisdição penal, que teve seu conceito ampliado também para a solução do conflito de interesses entre as partes, nos delitos de ação penal privada e ação penal pública condicionada, e não mais somente para se dirimir o conflito entre o Poder de punir do Estado e o direito de liberdade do indivíduo, poderíamos divagar pelo caminho filosófico e social, e com isso percebermos que ainda que oferecida a denúncia e tentada a conciliação na audiência preliminar, não havendo mais interesse da vítima no prosseguimento da ação penal que se instaura, em nome da paz social e da função conciliadora dos Juizados Especiais Criminais, valeria a reflexão de que a instauração da ação penal resultaria no acirramento dos ânimos entre autor do fato e ofendido que já se acalmaram, em nome do formalismo sem finalidade e da necessidade cega da imposição de pena sem qualquer cunho pedagógico.
Se foi restabelecida a paz social, se as partes chegaram a um consenso, não caberia mais ao Estado, que através da norma penal dita regras de conduta que se contrariadas resultam na prática de crime, intervir para imposição da sanção penal, se aquele que é considerado a vítima primária entende que o objeto da questão já foi solucionado.
Haveria assim a possibilidade da ausência de justa causa para a ação penal, possibilitando ao magistrado a rejeição da peça acusatória, por faltar interesse legítimo ao Estado para intervir naquela relação onde o desassossego foi sanado.
José Frederico Marques (obra citada, pág. 355) lecionava que de acordo com o princípio da oportunidade, o Ministério Público “tem a faculdade, e não o dever ou a obrigação jurídica de propor a ação penal, quando cometido um fato delituoso. Essa faculdade se exerce com base em estimativa discricionária da utilidade, sob o ponto de vista do interesse público, da promoção da ação penal”.
O festejado mestre, já em tempos pretéritos, vislumbrava que a oportunidade e utilidade da ação penal, se sobreporiam ao princípio da obrigatoriedade, permitindo ao representante do Ministério Público, dentro de uma discricionariedade regrada, deixar de dar início à ação penal, o que aos poucos vem sendo sedimentado na legislação, encontrando-se presente atualmente no artigo 37, inciso IV, da Lei n. 10.409, de 11 de janeiro de 2002, que permitiu ao Ministério Público deixar de dar início à ação penal desde que justificadamente.
Se já se faz presente tal permissivo na legislação, não haveria porque deixarmos de considerar a retratação da vítima após o oferecimento da denúncia, ainda que já tenha sido oportunizada a conciliação, tanto entre autor do fato e vítima, quanto com o Ministério Público, embasado na falta de utilidade para o início da ação penal, que torna-se inoportuna quando se vê restabelecida a ordem e a paz.
Cita ainda o mestre:
Na França, como diz Pierre Bouzat, vigora o ‘système de l’opportunité des poursuites’. O Ministério Público pode, ali, à sua escolha, usar ou não usar de ‘son droit de poursuite’. Cabe-lhe deixar de propor a ação, se isto lhe parecer oportuno e conforme ao interesse social. Ele possui, assim, acrescenta Bouzat, ‘um discreto direito de perdão’ que o direito francês ainda não quis outorgar sequer aos juízes.
O direito norueguês adotou o princípio da oportunidade com muita amplitude, pois o artigo 85, do Código de Processo Penal, admite que deixe de ser apresentada acusação quando entender-se que nenhum interesse público exija a punição do crime, especialmente quando muito tempo decorreu da prática do delito e existam circunstâncias especiais de atenuação”.
Todos os caminhos tendem a possibilitar a retratação da representação antes do recebimento da denúncia, quando ainda não há se falar em ação penal instaurada, havendo somente uma relação linear entre acusação e juiz.
Poderá o Ministério Público adotar diante da retratação e solicitação de arquivamento do procedimento, o caminho da manifestação pela rejeição da denúncia, embasada no artigo 43, inciso III, do Código de Processo Penal, por faltar o interesse de agir, combinado com o artigo 37, inciso IV, da Lei n. 10.409, de 11 de janeiro de 2002, aplicado analogicamente aos delitos de menor potencial ofensivo, considerando que o delito de porte de tóxico foi alcançado por este conceito, ou ainda, simplesmente manifestar no sentido da possibilidade da retratação ainda que oferecida a denúncia, nos termos do artigo 79, combinado com o artigo 2o, todos da Lei n. 9.099/95, e ainda, com o artigo 107, inciso VI, do Código Penal Brasileiro, pugnando pela declaração da extinção da punibilidade.
Antes do recebimento da denúncia, e portanto da formação da relação processual triangular, sempre haverá tempo para disponibilidade da ação penal.
Por certo, a questão deverá ser amplamente discutida e debatida para chegarmos a um consenso quanto à verdadeira finalidade da ação penal, e nos desapegarmos de conceitos pretéritos que ainda insistem em rodear esse novo momento criado pela Lei n. 9.099/95.
6 – CONCLUSÃO –
De todo o apanhado acerca da representação, denota-se que por ser uma manifestação informal, que legitima a autoridade policial, o Ministério Público ou mesmo o juiz a tomar providência quanto ao pedido de início da persecução penal, não carece de maiores rigorismo para sua formulação, sendo legitimados ao seu oferecimento o ofendido ou seu representante legal.
Como somente através dela poderá a autoridade policial iniciar a persecução, seja através da instauração de inquérito policial ou lavratura de termo circunstanciado de ocorrência, o momento adequado para seu oferecimento é o da comunicação do fato e autoria, tanto à autoridade policial quanto ao Ministério Público ou ao juiz, existindo um segundo momento previsto no artigo 75 da Lei n. 9.099/95, em que haverá ou não a ratificação da representação em audiência preliminar.
Não é a audiência preliminar o dies a quo do início do cômputo do prazo decadencial para a representação, e sim o momento do conhecimento da autoria do delito, nos moldes do artigo 103 do Código Penal Brasileiro, que não sofreu alteração e não houve na Lei n. 9.099/95 disposição expressa em contrário, como ocorria no delito do artigo 240 do Código Penal Brasileiro e ainda ocorre com do descrito no artigo 41, § 1o, da Lei n. 5.250, de 09 de dezembro de 1967 (Lei de Imprensa).

É permitida a retração da representação mesmo após o oferecimento da denúncia, por força do artigo 79 da Lei n. 9.099/95, que aceita a tentativa de conciliação e transação penal, mesmo após oferecida a peça acusatória inicial, quando não tenha sido possível na audiência preliminar.

Não somente retratável é a representação, como aceitável a possibilidade de conciliação entre autor do fato e vítima, ainda que já oferecida a denúncia, e diria mais, mesmo que esta tenha sido tentada em audiência preliminar, pois tal entendimento se amolda perfeitamente ao espaço de consenso criado pela nova legislação.

O que há de ser considerado é a impossibilidade de concessão de nova oportunidade de apresentação de proposta de transação penal, quando já ocorreu em audiência preliminar, ou mesmo sua renovação na audiência de instrução e julgamento, vez que isto prestigiaria a malandragem de alguns, que deixando de aceitar a transação na primeira audiência, ganhariam nova oportunidade e mais tempo para o cumprimento da medida, desprestigiando aquele que a aceitou na audiência preliminar.

Por certo ainda haverá muitas discussões entre os operadores do direito quanto aos argumentos aqui apresentados, o que cumpre o objetivo de implementar discussões em busca da dinâmica do direito.


7 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS -
BRUNO. Aníbal. Direito Penal, Rio de Janeiro, Forense, 1967.
DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal, Parte Geral, editora Forense, 1a. edição, 2001.
LEONE, Giovanni. Trattato di Diritto Processuale Penale, Editora Dott. Eugenio Jovene, Nápoli, Itália, volume I, 1961.
MARQUES, José Frederico. Curso de Direito Penal, volume III, editora Saraiva, 1956.
MIRABETE, Júlio Fabrini. Manual de Direito Penal, Parte Geral, 19a. edição, editora Atlas.
PIERANGELI, José Henrique; ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Direito Penal Brasileiro, Parte Geral, 2a. edição, editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 1999.

LUÍS EDUARDO BARROS FERREIRA
PROMOTOR DE JUSTIÇA
MEMBRO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE  GOIÁS


 Como citar este texto (NBR 6023:2002 ABNT):

FERREIRA, Luís Eduardo Barros. Da representação na Lei dos Juizados Especiais Criminais. Rogata Venia, Goiânia, 26 jun. 2012 . Disponível em: <http://rogatavenia2.blogspot.com.br/2012/06/da-representacao-na-lei-dos-juizados.html>. Acesso em: __/__/__.

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